O Instituto Fatos e Normas elabora e conclui relatório sobre o envolvimento das empresas com a ditadura brasileira e os limites dos processos de justiça de transição no país.
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Os papéis e responsabilidades dos intervenientes não estatais nos processos de justiça transicional. Este é o tema do próximo relatório do Relator Especial das Nações Unidas sobre a promoção da verdade, da justiça, da reparação e das garantias de não recorrência.
Como preparação para o relatório, que será apresentado em setembro de 2022, o Relator Especial convidou as partes interessadas relevantes a apresentarem contribuições.
O Instituto Fatos e Normas respondeu ao convite e elaborou uma submissão sobre o Brasil.
Trabalho coletivo dos pesquisadores Giuliana Alves Rezende e Henrique Napoleão Alves, a submissão se baseia em fontes variadas, como trabalhos acadêmicos, notas de imprensa, jurisprudência e documentos governamentais.
Responsabilidade limitada ou ausente por violações dos direitos humanos
Durante a ditadura de 1964-1985 no Brasil houve milhares de suspensões arbitrárias de direitos políticos, milhares de detenções arbitrárias e tortura e centenas de execuções confirmadas ou desaparecimentos forçados de dissidentes políticos, entre outras violações sistemáticas dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, argumentos de prescrição, prescrição e amnistia legislativa, entre outros, impediram a devida investigação e responsabilização uma vez terminada a ditadura.
Empresas envolvidas com a repressão
A ditadura terminou em 1985 e o Brasil teve uma nova Constituição democrática em 1988. No entanto, foi apenas no final de 2011 que foi instituída uma Comissão Nacional da Verdade para examinar e esclarecer violações passadas dos direitos humanos.
O trabalho da Comissão ajudou a esclarecer o papel dos actores não estatais na ditadura, incluindo a participação directa e indirecta de empresários e empresas nas violações dos direitos humanos do período.
Esta participação direta e indireta incluiu atividades como:
operações de financiamento para capturar dissidentes;
vigilância e controle interno dos funcionários e compartilhamento de informações sobre os funcionários com o sistema de vigilância governamental;
possibilitar o pagamento das contas dos agentes da repressão e o recebimento de prêmios pelas capturas de civis;
financiar a aquisição de armas de fogo e permitir a utilização de edifícios de propriedade empresarial para tortura e assassinatos;
e até empresários que participam diretamente em sessões de tortura.
Responsabilidade limitada ou inexistente
Quase toda a participação de entidades empresariais e dos seus proprietários e representantes em violações dos direitos humanos continua inexplicável.
Uma exceção limitada a este contexto generalizado é a investigação e os processos civis envolvendo a Volkswagen.
Durante a década de 2010, a Volkswagen foi investigada pelo Ministério Público por atos como colocar funcionários na lista negra e permitir tortura nas instalações da empresa.
Até setembro de 2020, a empresa chegou a um acordo com o Ministério Público que incluía o pagamento de 36 milhões de reais em indenizações e doações.
A empresa argumentou que, embora a investigação tenha encontrado cooperação entre os seus agentes de segurança e os militares, não havia provas claras de que a cooperação fosse uma prática institucionalizada na empresa.
O Acordo continha, entre outras coisas, uma cláusula preambulatória estabelecendo que a empresa não admite responsabilidade social, nem a responsabilidade de seus diretores ou funcionários diante dos fatos investigados pela acusação.
Os termos do Acordo geraram polêmica e recurso legal.
Muito longe de memorizar violações passadas
Memorializar violações passadas é um aspecto central da não recorrência. Infelizmente, o Brasil ainda está longe de memorializar devidamente as violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura de 1964-1985 como um todo, sem falar do papel das entidades empresariais no assunto.
Houve iniciativas interessantes, como o “Memorial da Liberdade” e o “Memorial da Luta pela Justiça” em São Paulo; e o “Memorial da Anistia Política”, local de memória que seria construído na cidade de Belo Horizonte como parte das reparações determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Este último, porém, foi deixado de lado pelo governo federal brasileiro por suposta falta de recursos.
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