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Relatório sobre tortura no Brasil revela relevância, mas falta de implementação do trabalho da ONU


Novo relatório produzido pelo Facts and Norms identifica como diferentes relatórios temáticos do Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura podem ser aplicados no Brasil


Image: Adrien Olichon / Unsplash


Em junho de 2021, o Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura convidou Estados, sociedade civil e outras partes interessadas para uma rodada de consultas por escrito. O objetivo foi identificar o impacto, se houvesse, de relatórios temáticos recentes da ONU.


O Facts and Norms Institute (FNI) respondeu ao chamado por meio de um esforço conjunto de seu recém-inaugurado Observatório Global de Direitos Humanos.


O documento produzido, "Impacto dos Relatórios Temáticos apresentados pelo Relator Especial da ONU sobre Tortura: contribuições para a ONU sobre o Brasil", considera oito relatórios temáticos da ONU com temas que vão desde o uso extraprisional da força, até tortura relacionada à migração e tortura psicológica.


Elaborado pelo pesquisador principal do FNI, Henrique Napoleão Alves, o relatório também aborda o fortalecimento da proibição da tortura e como os Estados podem cooperar com o mandato do Relator Especial.


Os trabalhos preparatórios incluíram consultas com a especialista internacional Thais Lemos Duarte, ex-funcionária do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.


Ausência de impacto observável


Ao discutir a relevância de cada relatório temático para o Brasil, o relatório do Instituto se valeu de uma ampla variedade de fontes primárias e secundárias, incluindo artigos de periódicos, relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, jurisprudência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, observações conclusivas de órgãos derivados de tratados das Nações Unidas e sites governamentais.


O Facts and Norms examinou cada relatório temático e discutiu a sua relevância para o contexto nacional e se alguma das recomendações teve impacto nos procedimentos internos, incluindo a jurisprudência e a legislação nacionais.


Uma semelhança entre cada um dos relatórios temáticos é que, apesar de abordarem temas importantes para o contexto nacional, não houve referência a eles em nenhum documento nacional.


Isso é preocupante, pois o mandato do Relator Especial sobre Tortura inclui fazer recomendações para prevenir e erradicar a tortura e outras formas de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante.


Maior relevância


Apesar de não serem mencionados pelos documentos nacionais, todos os relatórios da ONU são relevantes para o contexto brasileiro, como resume a tabela a seguir:

Relatório Temático

Relevância

Relatório da ONU sobre uso extra-custodial da força

Há evidências de que o aumento da circulação de armas aumenta o número de homicídios, criminalidade, violência, entre outros. O Brasil, nos últimos anos, facilitou o acesso civil a armas.

Relatório da ONU sobre tortura e outros abusos no contexto da migração

Houve um aumento no número de imigrantes no Brasil nos últimos anos. Muitos deles são socialmente vulneráveis, pois sofrem discriminação e dificuldades no acesso ao emprego e na inclusão e integração social.

Relatório da ONU de reafirmação e fortalecimento da proibição da tortura

Há tortura e maus-tratos recorrentes no país, especialmente contra a população pobre e afrodescendente. Muitas prisões estão superlotadas e os presos sofrem com o acesso precário ou inexistente à saúde e à educação. Relatos de revistas corporais vexatórias e tortura são frequentes.

Relatório da ONU sobre tortura e maus-tratos no contexto da corrupção

​​Existe uma relação entre corrupção e violência no país, incluindo formas extremas de violência. A insuficiência do Estado e do mercado são acompanhadas pelo surgimento de milícias e grupos paramilitares em determinadas regiões. Estes prestam serviços às comunidades de forma autoritária e extorsiva e praticam atividades ilícitas como tráfico de drogas, propina, sequestro, lavagem de dinheiro etc.

Outro tema de interesse no que diz respeito à corrupção é o alto grau de impunidade dos agentes do Estado envolvidos em práticas que violam os direitos humanos.

Relatório da ONU sobre violência doméstica

Apesar de esforços legislativos como a promulgação da Lei Maria da Penha e da Lei nº 13.104, a violência doméstica ainda é endêmica no país. As evidências indicam que os níveis de adoção das medidas de prevenção e repressão têm sido insuficientes

Relatório da ONU sobre tortura psicológica

A nível nacional, a tortura é geralmente concebida em termos físicos. O relatório da ONU é um meio útil de destacar sua dimensão psicológica.

Relatório da ONU sobre cooperação estatal

Apesar do histórico de interação do Brasil com o Relator Especial, tortura e maus-tratos continuam a ser comuns no país.

Relatório da ONU sobre fatores biopsicológicos relacionados à tortura

A pesquisa qualitativa indica a presença de fatores biopsicossociais por trás dos recorrentes casos de tortura e maus-tratos ao longo da história do país, incluindo desigualdade social, racismo, constante propaganda contra os direitos humanos (retratados como “privilégios” de “bandidos” e “criminosos”) e a desumanização de segmentos de pessoas pobres e afrodescendentes.

A tortura é muitas vezes vista como um “crime de oportunidade” no âmbito da ONU; no entanto, é um problema com profundas raízes sociais. Uma agenda de desenvolvimento econômico e social e redução drástica da desigualdade pode ser central para a prevenção da tortura no país.​

A importância da agenda social


O relatório do FNI às Nações Unidas ressalta a importância da agenda social para caminhar lado a lado com o enfrentamento da tortura no Brasil. Nas palavras finais do relatório:

"Violações de direitos humanos guardam uma estreita conexão com o histórico de exclusão social e a negação de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais."
"Discriminação de classe, de gênero e étnico-racial geram maior exposição à violência"
"O trabalho anterior da ONU já foi descrito como focado na tortura como um “crime de oportunidade”, ou seja, um crime que é cometido quando surge a oportunidade para tal.
Nesse sentido, se o Estado criar um sistema regular de visitas a presídios, por exemplo, isso poderia funcionar como uma forma de impedir a criação de situações que possibilitem a violação.
É claro, esse sistema de visitas pode desempenhar um papel importante, assim como outras linhas de atuação semelhantes. No entanto, a prevenção eficaz da tortura depende principalmente do combate aos fatores causadores das desigualdades de classe, raça e gênero."
 

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